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Treinamento Desportivo

Destreinamento – Parte 1

Destreinamento – Parte 1

O que acontece quando paramos de treinar por um período prolongado, seja de forma voluntária (férias ou como parte programada da programação do treinamento) ou involuntária (lesões)? Qual é o tempo necessário para descansar e qual é o limite de descanso? Quando e por que ocorre a perda de condicionamento físico? Vamos explorar o conceito de perda de condicionamento físico para ajudá-lo no entendimento do quanto é bom ou ruim a diminuição ou cessamento do treinamento. Essa primeira parte será sobre o impacto do destreinamento na força muscular.

Segundo Mujika & Padilla (2000), o princípio da reversibilidade do treinamento estabelece que o treinamento físico regular promove diversas adaptações fisiológicas que melhoram o desempenho atlético, enquanto a interrupção ou redução significativa do treinamento leva a uma reversão parcial ou total dessas adaptações, comprometendo o desempenho. Em outras palavras, o princípio da reversibilidade pode ser visto como o princípio do destreinamento. Atletas muitas vezes sofrem interrupções no processo de treinamento e competições devido a doenças, lesões, pausas na pós-temporada ou outros fatores, o que pode resultar em uma diminuição ou cessação da atividade física habitual. Portanto, é de extrema importância identificar os efeitos e entender os mecanismos associados a quaisquer alterações nas capacidades fisiológicas e no desempenho atlético.

Mujika & Padilla (2000) definiram o destreinamento como a perda parcial ou total das adaptações anatômicas, fisiológicas e de desempenho induzidas pelo treinamento, conforme uma consequência da redução ou cessação do treinamento.

Nas imagens subsequentes estão alguns exemplos que demonstram a diferença entre cessação e redução do treinamento.

Figura 1 – Exemplo de uma periodização de treinamento dividida de acordo com os blocos de acumulação, transmutação e realização. Nesse exemplo as semanas 4, 8 e 9 apresentam redução do treinamento em virtude da semana de deload e nas semanas 15, 16 e 17 a redução do treinamento ocorre em decorrência do tapering.  (Tibana & Sousa, 2023)
Figura 2 – A periodização do treinamento foi prescrita corretamente, no entanto, o praticante/atleta treinou apenas até a semana 5 e a partir da semana 6 houve uma redução do programa de treinamento por motivos independentes do treinamento (redução do treinamento). (Tibana & Sousa, 2023)
Figura 3. A periodização do treinamento foi prescrita corretamente, no entanto, o praticante/atleta treinou apenas até a semana 5 e a partir da semana 6 houve abandono do programa de treinamento por motivos independentes da programação (cessação do treinamento). (Tibana & Sousa, 2023)
Figura 4. O efeito residual do treinamento está associado com a retenção das alterações nas adaptações físicas/morfológicas que foram obtidas durante um determinado bloco de treinamento após a cessação ou redução do treinamento além de um determinado período de tempo. Na figura podemos observar durante a periodização que durante as primeiras semanas existe um % maior de trabalho para os exercícios de desenvolvimento da força básica no powerlifting em comparação com os exercícios de LPO e após algumas semanas existe uma redução do treinamento para os exercícios de powerlifting (trabalho de manutenção). Dessa forma, o efeito residual do treinamento está associado com o quanto podemos manter em relação ao que foi adquirido nessas primeiras semanas de treinamento até o ponto principal que seria a fase final da periodização (competição).  (Tibana & Sousa, 2023)

Força Muscular

A produção de força muscular é um tema de grande interesse na área das ciências do esporte, devido à sua importância para a realização de diversas tarefas no dia-a-dia humano, bem como em atividades altamente especializadas, como no esporte de alto rendimento. Tanto os fatores neurais quanto os fatores morfológicos desempenham um papel crucial na produção de força muscular (Folland & Williams, 2007).

Figura 5. Ao longo do tempo, o treinamento de força promove alterações na força, massa muscular e adaptações neurais. Estudos de curto prazo (8 a 12 semanas) demonstram um rápido aumento da força decorrente de adaptações neurais. Com o treinamento prolongado, o aumento da massa muscular ocorre gradualmente e impulsiona mudanças posteriores na força, quando as adaptações neurais começam a se estabilizar. Em atletas da elite, há pequenas alterações nas três principais adaptações do treinamento de força. Nesse ponto, novos estímulos são necessários para continuar a aumentar a força. Adaptado de Hughes et al., (2018)

Os estudos sobre destreinamento na força e massa muscular são extremamente heterogêneos, ou seja, grande parte das pesquisas são realizadas com amostras diferentes (p.ex. iniciantes, jovens, idosos) e com protocolos de treinos bem variados. Além disso, outro ponto importante a ser destacado é a variação entre os estudos na avaliação da força (p. ex. exercícios com pesos livres x máquinas; força isométrica x força isotônica). 

Dessa forma, nesse post estarei apresentando dois artigos sobre destreinamento, um com atletas e outro com destreinados. 

O primeiro artigo que irei discutir foi publicado em 1993 pelo pesquisador Hortobagyl e colaboradores. Os pesquisadores analisaram 12 praticantes experientes (4 powerlifters / 8 ex jogadores de futebol americano) (idade:~24 anos; massa corporal: ~88kg; estatura:~181 cm) que cessaram o treinamento durante 14 dias.

Os resultados reportados pelos autores demonstraram que a cessação do treinamento durante 14 dias induziu pequenas diminuições no supino (-1.7%) e no agachamento (-0.9%).

Figura 6. Alteração na força de 1RM no supino (bench press) e no agachamento (squat) após 14 dias de destreinamento (cessação). Hortobagyl et al., 1993.

Sendo assim, algumas considerações importantes precisam ser destacadas: (1) Não é comum que um atleta próximo de uma competição fique 2 semanas sem treinar e (2) Caso aconteça de você precisar viajar e por outros motivos não conseguir treinar, a força muscular sofrerá pequena alteração no curto prazo.

O outro é um elegante estudo publicado por Bickel et al., (2011), onde treinaram 39 jovens adultos sedentários durante 16 semanas e logo após randomizaram os voluntários em 3 situações distintas: destreinamento total; treinamento reduzido (1/3); treinamento reduzido (1/9) durante 32 semanas após às 16 semanas de treinamento.

Figura 7. Alteração % da força muscular (cadeira extensora) em relação ao valor inicial após cada fase do treinamento. Os protocolos de treinamento reduzido após as 16 semanas foram mais eficazes do que a cessação completa do treinamento na preservação ou até mesmo no aumento da força muscular quando comparado ao valor inicial. Bickel et al., (2011)
Figura 8. Alteração % da força muscular em relação a última semana de treinamento (semana 16). O grupo destreinamento total (cessação) apresentou diminuições maiores na força muscular quando comparado aos demais grupos.

Os resultados demonstram que quando comparado ao valor inicial (antes de começarem o programa de treinamento), todos os grupos continuaram com os valores de força superiores durante a fase de destreinamento ou redução do treinamento. No entanto, se analisarmos após a semana 16 (onde os ganhos de força já estavam mais estabilizados em decorrência da adaptação neural) o grupo que cessou o treino apresentou redução comparável ao do estudo anterior (Hortobagyl et al., 1993). Além disso, os autores reportaram que uma pequena manutenção 1/9 já foi suficiente para manter ou até mesmo aumentar a força após às 16 semanas inicias de treinamento.

Conclusões

Os estudos sobre o impacto do destreinamento na força muscular são extremamente heterogêneos em relação a metodologia de treinamento, amostra e avaliação da força muscular. A partir dos estudos supracitados (iniciantes x experientes) podemos concluir que cessar o treinamento irá impactar em reduções pequenas na força muscular (que podem ser prejudiciais para um atleta), mas que um pequeno volume de treinamento foi suficiente para manter a força muscular durante diversas semanas (em iniciantes).

Referências

BICKEL, C. S., J. M. CROSS, and M. M. BAMMAN. Exercise Dosing to Retain Resistance Training Adaptations in Young and Older Adults. Med. Sci. Sports Exerc., Vol. 43, No. 7, pp. 1177–1187, 2011.

Folland & Williams (2007) – Sports Med 2007; 37 (2): 145-168

HORTOBÁGYI, T., J. A. HOUMARD, J. R. STEVENSON, D. D. FRASER, R. A. JOHNS, and R. G. ISRAEL. The effects of detraining on power athletes. Med. Sci. Sports Exerc., Vol. 25, No. 8, pp. 929–935, 1993.

Hughes et al., (2018) – Cold Spring Harb Perspect Med 2018;8:a029769

Mujika I, Padilla S. Detraining: loss of training-induced physiological and performance adaptations. Part I: short term insufficient training stimulus. Sports Med. 2000 Aug;30(2):79-87.

Tibana, R. A. & Sousa, N.M.F. Fitness Functional Science. in press. 2023.

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