“Você não pode disparar outra bala até que tenha recarregado a arma.”
O esforço dos atletas para aumentar a performance deve ser acompanhado de modificações na carga de treinamento, especificamente nas variáveis frequência, duração e intensidade. As cargas de treinamento devem ser ajustadas em diferentes períodos para aumentar ou diminuir a fadiga, dependendo da fase de treinamento (ex.: acumulação ou competição). Administrar a quantidade de fadiga adequadamente pode evitar o aparecimento de lesões ou mesmo de doenças comuns aos atletas (imunossupressão; infecções do trato respiratório superior) durante o período de treinamento. Por outro lado, a relação treinamento-performance é de particular importância para os coaches em determinar a quantidade ótima de treinamento requerida para atingir o pico da performance física. De acordo com este modelo de dicotomia, a performance de um atleta em resposta ao treinamento pode ser estimada pela diferença entre a função negativa (fadiga, doença ou lesão) e positiva (aumento da capacidade física) do treino (Tibana, Nuno & Prestes, 2017).
Obter o equilíbrio é um processo individual complexo que é altamente influenciado por fatores de estresse externos e internos, independentemente da carga de treinamento em si, especialmente no Fitness Functional onde a habilidade de resistir à fadiga está presente na maioria das sessões de treinamento (Tibana, Nuno & Prestes, 2017).
Dessa forma, treinadores e atletas costumam introduzir microciclos de deload com o objetivo de dissipar a fadiga e elevar o nível de preparação do atleta, o que acabará por permitir uma continuação no aumento da sobrecarga do treinamento. Esse microciclo é marcado por uma demanda de treinamento significativamente menor, que pode ser criada diminuindo a intensidade, o volume ou a combinação de ambos.
O deload ocorre pontualmente ao longo do programa geral de treinamento. De acordo com Bompa & Haff (2009) existem diversos protocolos de carga (2:1 / 3:1 / 4:2), no qual a carga de treinamento é aumentada nos microciclos, seguido por uma fase de regeneração que acarreta na redução na carga de treinamento e fadiga.. A duração relatada com mais frequência para um deload é de uma semana (ou seja, microciclo), mas pode variar entre algumas sessões de treino até algumas semanas.
É importante frisar que grandes diminuições na carga de treinamento (volume x intensidade) durante o deload podem ser prejudiciais. De acordo com Gabbett (2020), existem duas explicações possíveis:
(1) o treinamento insuficiente deixa os atletas despreparados para as demandas das semanas subsequentes ao deload.
(2) Uma grande diminuição na carga de trabalho geralmente precede spikes na carga de trabalho.
Dessa forma, treinadores e atletas devem evitar grandes reduções na carga de treinamento para evitarem as consequências negativas como ilustrado na figura 6.
Parâmetros do treino | Ajustes durante o deload |
Frequência do treino | Embora alguns treinadores possam considerar uma boa estratégia a redução nos dias de treinamento durante o deload, a frequência de treinamento normalmente permanecerá inalterada (em relação à frequência normal de treinamento). |
Volume do treino | Uma redução no volume de treinamento em aproximadamente 30% a 50%. No treinamento de força e no levantamento olímpico essa redução pode ser alcançada por meio de uma diminuição nas repetições por série ou por uma redução no número de séries por sessão de treinamento (ou em alguns casos, ambos). No condicionamento metabólico (METCON), a redução no volume pode ser alcançada através da redução do número de repetições em cada METCON ou através da redução da quantidade de METCON ao longo da semana. No condicionamento cardiovascular, a redução no volume pode ser alcançada principalmente através da redução das distâncias ou calorias em cada exercício tradicionalmente prescrito: corrida, natação, remo, bicicleta e ski. O volume pode ser reduzido em todos os exercícios por sessão. |
Intensidade | A redução na intensidade durante o treinamento de força e no levantamento de pesos pode ser alcançada através da diminuição da carga absoluta (por exemplo, reduzindo de 80% para 60% de 1RM). No condicionamento metabólico a redução da intensidade pode ser alcançada através da utilização mais frequente de treinos com baixa percepção subjetiva de esforço. Enquanto no condicionamento cardiovascular, a redução da intensidade pode ser alcançada através da diminuição da percepção de esforço e das zonas de treinos baseadas no limiar de lactato, frequência cardíaca e do VO2 máximo. |
Seleção dos exercícios | Os treinadores devem evitar mudanças excessivas na seleção dos exercícios, em virtude de exercícios que são realizados com baixa frequência podem resultar em dor muscular tardia indesejada, portanto, deve-se tomar cuidado ao fazer grandes alterações na programação. |
Duração | Embora seja importante prescrever a duração do deload individualmente, a maioria dos deloads dura de 5 a 7 dias. |
Por fim, no artigo do Bell et a., (2022) os autores destacam de forma elegante a seguinte frase: “Você não pode disparar outra bala até que tenha recarregado a arma.”
Que para nós, tem o significado da importância de uma boa recuperação para que o desempenho atlético possa ser mantido ou evoluído.
Referências
Bell L, Nolan D, Immonen V, Helms E, Dallamore J, Wolf M and Androulakis Korakakis P (2022) “You can’t shoot another bullet until you’ve reloaded the gun”: Coaches’ perceptions, practices and experiences of deloading in strength and physique sports. Front. Sports Act. Living 4:1073223.
Bompa TO, Haff GG. Periodization: Theory and Methodology of Training. Human Kinetics. 2009.
Gabbett TJ. Debunking the myths about training load, injury and performance: empirical evidence, hot topics and recommendations for practitioners. Br J Sports Med. 2020 Jan;54(1):58-66.
Haff GG. The Essentials of Periodisation. Strength and Conditioning for Sports Performance. 2021.
Tibana RA, Sousa, NMF, Prestes, J . Programas de condicionamento extremo: planejamento e princípios. Manole. 2017
Graduado em Educação Física (2010), mestrado (CAPES) e doutorado (CAPES) pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu da Faculdade de Educação Física da Universidade Católica de Brasília com período sanduíche durante o mestrado na Western Kentucky University (Bowling Green – KY) e visita técnica durante o doutorado ao laboratório de Fisiologia do Exercício da Universidade de Nevada em Las Vegas (FAPDF). Pós doutor pela Faculdade de Medicina (CAPES) e pela Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) (CAPES). Atualmente é professor colaborador do programa de pós-graduação Stricto-Sensu do curso de Ciências da Saúde (UFMT). Além disso, tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Treinamento de Força e Treinamento Desportivo, atuando principalmente na linha de pesquisa que investiga as alterações agudas e crônicas e do controle da carga de treinamento no Fitness Funcional (tcc.CrossFit).
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